Ervas Secas, Nuri Bilge Ceylan| Assista nos Cinemas
Nuri Bilge Ceylan (Sono de Inverno, 2014) costuma ser aclamado por seus filmes com um quê de misantropia, sempre a explorar personagens desagradáveis. Não é diferente dessa vez. Em Ervas Secas, lançado no Festival de Cannes de 2023, acompanhamos Samet, que dá aulas de arte na rede pública de ensino em uma remota aldeia congelada enquanto espera por uma transferência para Istambul.
Apesar da recorrência disso em sua obra, ainda foi um ato ousado assumir um homem como Samet (Deni̇z Celi̇loğlu) como protagonista. Antipático, niilista, cínico e sem carisma. Tudo isso poderia ser contornável. Mas o professor ainda é extremamente egoísta, agindo de forma a prejudicar até seus amigos e, o pior de tudo, tem uma relação com uma de suas alunas de 12 anos em que nunca fica claro se o que está em jogo é um interesse sexual ou uma tentativa narcisista e ególatra de experimentar poder.
A cada acontecimento da narrativa, esperamos de alguma forma ver uma redenção de Samet ou ainda que nos seja revelado uma informação que não sabíamos e que torna tudo aceitável, uma justificativa, um motivo razoável. Não há. O desenrolar verborrágico dos 197 minutos serve como tese do comportamento humano no que há de pior.
Claro, nem todos são como Samet. Sua aluna Sevim (Ece Bağci) e a ex-guerrilheira Nuray (Merve Di̇zdar) são provas de que personagens incríveis e complexos em camadas de contradição também vêm características mais aprazíveis. Aliás, em diversos pontos da trama a vontade é a de que o filme se concentrasse em uma das duas e abandonasse o desprezível professor. Mas assim, Ceylan não provaria seu ponto.
As diversas discussões políticas entre os personagens podem deixar o espectador brasileiro a ver navios, mas definitivamente instigam uma vontade de conhecer a cultura e geopolítica turcas mais a fundo. Há pelo menos cinco longas sequências de diálogo ao longo do filme em que parece que a linguagem cinematográfica fica em suspenso para que as personagens possam repetir-se, serem prolixas, não entender o argumento uma das outras… a forma padrão de roteiro é abandonada para que a conversa possa acontecer como na vida real. Por um lado, é disruptivo. Por outro, pode soar entediante por vezes.
O final, com o protagonista assumindo a narração e fazendo parecer com que todo o filme é uma visão dele, faz com que a crítica ao personagem perca um pouco de sua relevância. Foi, para dizer o mínimo, uma escolha corajosa do diretor. Não exatamente no bom sentido da palavra.
Trailer
Ficha Técnica
Título original e ano: Kuru Otlar Üstüne, 2023. Direção: Nuri Bilge Ceylan. Roteiro: Akin Aksu, Ebru Ceylan, Nuri Bilge Ceylan. Elenco: Deniz Celiloglu, Merve Dizdar, Musab Ekici. Nacionalidade: Turquia. Gênero: Drama. Direção de fotografia: Cevahir Sahin, Kürsat Üresin. Direção de arte: Meral Aktan. Música: Philip Timofeyev. Montagem: Oguz Atabas, Nuri Bilge Ceylan. Figurino: Gülsah Yüksel. Tempo: 197 min. Classificação: 14 anos. Produção: Nuri Bilge Ceylan. Distribuição: Imovision.
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por Luana Rosa
